Caro Presidente eleito Jair Bolsonaro,
Confesso-lhe, desde já, uma coisa: não pensei começar
esta carta assim, desta maneira. Tinha pensado em algo mais emocional, mais
elaborado. Mas não tenho outra escolha, Sr. Presidente, sou uma cubana de pura
cepa, tenho açúcar e tempero no sangue, pelo que devo contar-lhe a primeira
coisa que me vem à mente: Que maravilha poder chamar a alguém presidente, e
realmente sentir isso, sem fingir ou aparentar!
Talvez não entenda. Ou sim. Talvez esteja muito bem
informado sobre o que nós, cubanos, vivemos durante todo este tempo, pouco mais
de meio século, veja só quanto tempo! Um só homem a governar até há poucos
anos. Outro, irmão dele, a governar por outro punhado de anos. E agora um
fantoche mal nomeado e pior formado, a governar como se fosse um presidente.
Se ler esta carta que escrevo à meia-noite, esgotada,
tensa, com uma enorme dor de cabeça e nervos à flor da pele, mas feliz por ser
livre, gostaria que soubesse uma coisa: esta é a primeira vez que me dirijo a
um presidente com orgulho e honra. E esse ganhou-o antes mesmo de assumir o
comando deste belo e hospitaleiro país em que vivo há três anos, colaborando
dentro das minhas possibilidades e aprendendo a amar, respeitar e curar as
feridas físicas e espirituais do seu povo.
A minha carta é um pedido de ajuda, Presidente
Bolsonaro. E na minha carta estão as vozes de cerca de vinte colegas meus,
todos do município de Ponta Grossa, todos nós que nos conhecemos e decidimos
não fazer o caminho de regresso. Por isso digo: não vamos voltar para Cuba. Não
queremos voltar à escravidão real, apesar de termos passado alguns anos nesta
escravidão virtual que é trabalhar para que outros enriqueçam com o nosso
sacrifício.
Mas pedimos-lhe ajuda, dizia eu. Com humildade e
gratidão. Com bondade. Com o sentimento tão bonito que é gerado por saber que o
senhor, presidente democraticamente eleito, pensou nos nossos salários e nas
nossas famílias cem vezes mais do que os nossos concidadãos que, supostamente,
deveriam velar por nós.
Estamos desesperados, Sr. Presidente. Assume a seu
cargo o Brasil em janeiro e isso ocorre num momento de alta tensão nacional.
Terá de se ocupar primeiro do seu país e depois de nós. E não sabemos o que
fazer agora, a não ser confiar na sua palavra de que nos protegerá com o asilo
político para todos os que decidirem, como eu, não voltar.
O governo de Raúl
Castro/Díaz-Canel quer que regressemos antes de 5 de dezembro. Quase um
mês antes de que possa fazer algo por nós. Se escolhermos agora fugir, não
entrar nesses aviões, se dissermos aos nossos entes queridos por telefone para
não esperarem por nós, pelo menos por agora, estaremos a assinar pelo menos
oito anos da agonia da distância... E não sabemos o que fazer agora no Brasil.
A quem nos dirigirmos. Como pedir ajuda. Como
continuar a trabalhar. Quem nos vai pagar. Quem vai responder por nós, que a
partir desse momento seremos párias sem país ou apoio, quase desterrados.
Tenho uma menina de doze anos em Cuba. É melhor não
lhe dizer como é terrível sabê-la longe de mim. Até à última gota de suor, até
ao último centavo, as minhas últimas forças serão, a partir deste momento,
dedicadas ao momento em que possa reunir-me com ela aqui. Na nossa nova terra
da liberdade. Num Brasil que me ensinou a maravilha da liberdade, mesmo quando
o seu governo anterior conspirou com o do meu país para nos roubar três quartos
do que ganhamos a salvar vidas nestas terras sul-americanas.
Quando decidimos aceitar esta escravidão moderna,
assinando contratos que nos tratavam como bolseiros, como semiprofissionais,
maltratados e mal remunerados, foi por desespero: queríamos progredir. Como
milhões de outros cubanos, professores, dentistas, atletas, engenheiros.
Queríamos dar aos nossos filhos um futuro melhor do
que o que vivíamos num país sequestrado por uma família, imagine: uma única
família, um único apelido que vem mandando naquela ilha há sessenta anos! Não
somos hipócritas. Não somos oportunistas. Somos vítimas em busca de oxigénio
fora da prisão em que nos calhou viver.
Não queremos apenas ficar: queremos que se sinta
orgulhoso de nós. Da nossa coragem e do nosso esforço. Queremos continuar a
tratar dos vossos pacientes, a curar os mais velhos, a dar à luz os filhos dessa
terra linda onde a mandioca, a feijoada, o samba, o futebol e o amor a Deus se
tornaram tão nossos, muito dos nosso corações, como o arroz com feijão, café, a
salsa e a bola.
Para isso, para cumprir um mandato que lhe exigiu
tratar-nos com decoro quando os mandantes do nosso país nos trataram como
escravos, precisamos de uma última ajuda. O caminho legal para agora mesmo, e
não para janeiro. Como estabilizar-nos agora mesmo, enquanto não chega a sua
concessão de asilo.
Eu não posso dizer-lhe o meu nome, Sr. Presidente. Não
por mim, que nada podem fazer contra mim, porque já sou livre. Já decidi ser
livre. Pela minha família. Pela minha filha. Pelos meus pais, adoentados e
exaustos pelas visitas e ameaças da polícia política cubana. Pelo que possam
fazer-lhes a eles lá, onde não têm defesa nem embaixadas solidárias,
diplomacia, nem imprensa livre.
É por isso que permaneço no anonimato e lhe envio um
beijo sem protocolos ou artifícios, apenas com um sorriso, talvez com algumas
lágrimas nos olhos, com a nobreza de quem pede esmola, mas sem espingardas: a
nossa maneira de entender que no está por diante, também será o presidente por
quem rezaremos para que faça o melhor que puder por esta bela nação e por nós:
estes médicos que já tanto lhe devemos.
Jair Bolsonaro, mais médicos, Brasil, Cuba, Brasil Saude, Raúl Castro, Díaz-Canel,
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